O POVO DAS MIL-E-UMA-NOITES por Ruth Botelho

O POVO DAS MIL-E-UMA-NOITES


Ruth Guimarães

 Onde será que fica Bagdá? Perguntava eu, enquanto me chegavam as mais auspiciosas notícias desse reino.

Contava-se, - mas Alá é o mais sábio – que em alguma noite entre as noites o califa Harum Al-Rachid, tomado de insônia, saía sozinho de seu palácio e ia dar uma volta nos arredores do palácio, para espairecer o tédio. Ainda não se falava em assaltos nem em seqüestros em plena cidade. O Califa podia andar sozinho, sem estar cercado de guardas nem fechado numa limusine ultra defendida com placas de aço e vidros inquebráveis. Os ladrões deixavam-se estar nas altas montanhas, onde imperava eterna a primavera. E o califa, nos seus passeios, somente encontrava escravas belíssimas que sabiam tirar vinte e um sons diferentes, cada um mais admirável que os outros, do seu alaúde. Incidentemente o califa teria oportunidade de fazer justiça pessoal, sem a interferência de emires ou do vizir. A dolce vita era praticar a bela escrita, ler o alcorão, aprender a geometria e a poesia, montar a cavalo ou a camelo, manejar as armas, atirar a lança e lutar nos torneios. Nesse tempo e em Bagdá, os poetas tinham o favor dos reis.


Contaram-me que no tempo do califa Harum Al-Rachid (oh rei afortunado!) um homem chamado Sindbad o Carregador, depois de muito filosofar chegou a três excelentes conclusões para sua vida, já descobertas antes por Salomão, o filho de Davi:

Há três coisas preferíveis a três outras: o dia da morte é menos lastimável que o dia do nascimento. Um cão vivo vale mais do que um leão morto. O túmulo é preferível à pobreza. E em decorrência, Sindbad fez sete viagens, cheias de espantosas aventuras, por terra e por mar, de onde lhe veio o apelido de Sindbad o Marujo.

Havia acontecimentos espantosos em Bagdá. Em primeiro lugar, os gênios. Eles andavam por toda a parte, alguns prisioneiros dentro do vasilhame comum das cozinhas da época, até serem encontrados e escravizados novamente por algum mendigo sortudo. Ou estavam em garrafas fechadas ou moravam no balouço das ondas. Ou então dentro de uma lâmpada há mil anos, esperando que um desocupado qualquer fizesse o inesperado e bonito gesto de limpá-la. Gênios havia que o sábio Salomão arrolhou em garrafas e atirou ao mar. E havia cavernas esplêndidas, cuja chave era uma frase: Abre-te Sésamo! E nelas o suficiente para um qualquer enricar.

Todas essas glórias passaram. Salomão e Al Rachid ficaram na saudade. Bagdá passou como passaram Atenas, a Roma dos Césares e o reino dos mortos no alto Egito. Não mais se vêem nas ruas modernas os efrites de grandes asas silenciosas. Sic transit gloria mundi...

Agora eu sei onde fica Bagdá. Está em todos os jornais do mundo, todos os dias. Não mais Aladim e sua lâmpada, para exorcismar o Bruxo Bush. Não mais Ali Babá e a serva Morgana. Bagdá fica na terra do nunca mais, de onde jamais sairá.

Louvores sejam dados ao Imutável, para o Qual convergem todas as coisas criadas.


colaboração Olavo Botelho

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