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Mostrando postagens de setembro, 2013

ORAÇÃO PARA SÃO CLEMENTINO por Ruth Guimarães

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ORAÇÃO PARA SÃO CLEMENTINO  Ruth Guimarães Minha mãe era uma boa alma. A mais antiga das minhas lembranças a respeito de um tal seu Clementino, servente do Grupo Escolar o traz de volta ao olhar da memória, batendo os tamancos na chamada rua da Ponte, aliás rua de Cima, nome certo era Silva Caldas (Silva, não Sílvio). Vinha pela rua muito franzino e curvo, branquinho, engelhado, com seu parelho de brim de cinza gasto, desbotado o paletó subindinho nas costas, corcunda que seu Clementino era. O sol era quente, tremia o ar, as árvores se abochornavam, cansadas, havia um lento ensimesmar por toda a várzea.  Rua de Cima era quente, negra, modorrenta. Seu Clementino vinha de tamancos, pleque-pleque, era um custo andar todo aquele pedaço. Todos os dias.  Tinha a fala mansa.  Tinha um riso malestarento, de boca entreaberta, suplicante, deixava a gente com vontade de chorar e meio com raiva dele. Tinha um modo de dizer “sim-senhor” (“Não-senhor” não falava).  Dava vontade de sair de perto. Não

TEOGONIA TUPI por Ruth Guimarães

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TEOGONIA TUPI Ruth Guimarães Contam os velhos caboclos, mestiços de índios, que abaixo de onde nós moramos existe uma outra terra. Diferença que tem deste mundo é pouca. O que existe aqui existe lá, mas é tudo mais bonito. Consta de um campo grande, tão grande que do comecinho não dá pra ver o fim. A vista não alcança. O campo tem grama verde, de um verde claro e lustroso, de canavial depois da chuva. Buriti lá embaixo é arvorezinha, pequenina, altura de uma pessoa. É como cajueiro do cerrado, que em vez de árvore frondosa é arbusto. Quem quiser chupar coquinho de buriti é só estender as mãos e lá estão os frutos maduros, oferecendo-se. As campinas estão cheias de caça. Muito se vê ali. Anta, capivara, tatu, tamanduá, veadinho campeiro, caça grande e caça de pena, mutum, jacutinga, cajubi, codorna. Há de um tudo, nos encantados campos. Gente? não se sabe se assiste ali. A caça percorre tranqüila os grandes banhados, sem ninguém que judie dela. Dizem que os porcos-do-mato procedem de lá

Gota d’água por Regina Rousseau

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Gota d’água (in memoriam Dom Helder Câmara) Por certo, ao saber que o relógio marca o tempo da paciência, ele tinha o dom de lutar e a linguagem dos pobres falar. Reconhecendo a urgência do momento, era preciso libertar da tortura da fome, o Brasil dos excluídos. Uma gota d’água pode salvar a sinfonia destes dois mundos, e reconciliar a Igreja com o terceiro mundo. Abençoados os que cultivam a coragem, na terra onde a voz é fraca e melancólica e se perde com detalhes insignificantes. Abençoados os que espremem cada gota de vida em favor das almas desfavorecidas, para que cessem as lágrimas dos órfãos. Neste solo estrangeiro, Dom Helder, cidadão de outro reino, alma flamenga, enxergava outro mundo, do lado de fora da sua janela... desperta Igreja! Regina Rousseau

TEATROCRACIA por Ruth Guimarães

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TEATROCRACIA Ruth Guimarães Porque a terra é redonda e nossa vida também é, a gente dá duas voltinhas e vai parar na Grécia.  Que culpa temos nós de que a sua filosofia seja tão profunda e poderosa, tão arguta s sábia, que nos revelou a nós mesmos, e revelou as sociedades a si próprias, com uma dolorosa verdade? Os gregos viviam muito mais nas ilhas que nos continentes.  Muito mais no mar que na terra.  O excesso de mar fez deles navegantes.  Eles conheceram a solidão, dias e dias sem paisagem, somente mar e céu, dias e dias em que o marulho das ondas, sempre igual e sempre repetido, à força de ser sempre o mesmo se transformava em silêncio. Os lusitanos também padeceram de solidão, de mar sempre azul, do toque do silêncio e do beijo da morte.  Nem por isso se deram às grandes interrogações.  Nem por isso os inquietou o mistério da natureza humana.  E o que é mais.  Com esses carismáticos e cabulosos gregos, o que eles inventaram, descobriram, filosofaram, usaram e viveram, permaneceu