João, o queijeiro por Ruth Botelho

João, o queijeiro


Ruth Guimarães

Sabe onde fica o bairro dos Macacos? Pois, a cavalo, fica umas três horas pra lá. É como João Emboava explica o caminho entre o sitiozinho no sertão de Cunha e a cidade de Cachoeira Paulista. Entre essas duas pontas geográficas, está Silveiras, se resolvemos seguir pela Rodovia dos Tropeiros. Subindo pela Rodovia Paulo Virgínio, passamos pela entrada de Lagoinha – e, em conseqüência, de São Luiz do Paraitinga, atravessamos o centro urbano de Cunha e seguimos em direção do sertão de Campos Novos. Viagem comprida, por este ou por aquele caminho.
O pobre do Emboava, que vem de uma grande família de fazendeiros, faz muito esforço pra viver. Custa-lhe manter a fabriquinha de um alimento meio difícil de vender. Mandar o leite para as cooperativas não compensa – são só seis vaquinhas. Os fazendeiros da região resolveram, ultimamente, alugar seus açudes para pescadores de domingo. O João não. Teima.

Faz assim, às quartas e aos sábados: pega o caminhão do leite até Guará, um ônibus circular até Cachoeira, onde deixou guardada a valente bicicleta. Traz um jacá, pra amarrar na garupa da magrela, com vinte queijos redondos, metade frescos, metade meia-cura. No sítio, meia dúzia de vacas. E, no sítio, a família que inclui uma filha deficiente, dessas criaturas que dependem dos outros para tudo. A dureza da labuta, a duração da viagem, a preocupação com a moça, a gente adivinha tudo isso no sorriso triste do João Emboava.

Como técnica para convencimento do cliente, explica o processo da produção do queijo. Gosta de conversa, e fazer queijo é o que sabe, então está dado o mote do diálogo. Duas colheres de sal, uma de manhã, outra à tarde. O leite é fervido primeiro, que é mais seguro pra saúde. Quando é época de vacina contra a “fetosa”, fica uma semana sem fazer queijo. Tira o leite mas joga pros porcos, porque praticamente já sai talhado das tetas.

Isso me lembra quando três dos meus meninos pegaram febre aftosa, bebendo leite no curral. Um desconsolo, aqueles meninos babando e chorando, boca tinta de violeta genciana. Uma semana de ai, ai, ai.

João Emboava não tem consciência da sua sabença de fazer queijo. Certa vez, em Paris, ouvimos, dentro de um estabelecimento, uma fala brasileira. Que alvoroço! Parecia que tínhamos voltado no tempo ou encontrado inesperadamente um pedacinho do Brasil. Com que alegria tentamos contato com aquele falante da linguagem da nossa terra. Tratava-se de um casal de mineiros de meia-idade, e adivinha o que estavam fazendo em Paris? Artes, literatura? Não. Apenas comprando queijos. E isso nos comoveu profundamente.

Comove mais receber a visita do João Emboava, que não faz ideia de que o seu ofício é francês, da velha milenar Europa. Ai está: dos Pirineus para a Serra da Mantiqueira, o queijo que ajuda a cuidar da criatura que depende dos outros para tudo.

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