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Mostrando postagens de maio, 2013

ENIGMA por Ruth Botelho

ENIGMA Ruth Guimarães  O “século das luzes”, como foi chamado, tinha antes sido violentamente positivista, materialista, realista, naturalista, entregue às ciências, e à solução imediata dos problemas, mesmo os estéticos, por vias nada metafísicas. Falava-se em invenções e descobertas. Falava-se em experimentação e artesanato. A confiança degenerou em fanatismo, não havia ideal, mas ideologia, e por fim se chegou, lá pelo fim do século, à dúvida, ao desânimo, à falência do método material para a terapia dos males. Mais uma vez a humanidade chegava ao cansaço e não chegava à solução. E nesse “fin-de-siècle”, cujas nuanças repousaram no crepuscular, em que o espiritual se transformou num refúgio e num oásis surgiram suaves meias luzes de espiritualidade e misticismo. Ao social sucedeu o individual. Ao realismo, o sonho. Ao que era nítido e cortante, cheio de arestas e de impiedade, seguiu-se o esfumado, o vago, a sugestão, o mistério, o divino. Todo o mundo ocidental cambiou para esses v

Em tempos de paz? por Ruth Botelho

Em tempos de paz? Ruth Guimarães  Foi uma bela idéia que me veio, embora o cronista, a bem do seu sossego, não deva ter idéias. Bastam-lhe as belas palavras. É a época da volta para a escola e a época da chamada para o alistamento militar. Moços de dezoito anos estão se ocupando com assuntos mais sérios que a namoradinha de um amigo meu. Uns têm alguma vivência, os operários afeitos à labuta cotidiana, os que vêm da roça familiarizados com o manejo do guatambu, os que trazem da rua tristíssimos hábitos. Mas, vede-os! são os que tem mais saúde, dentes mais bonitos, mais altura, mais desempeno, os de sentidos perfeitos, em suma, o que de melhor se consegue nesta terra. Vêm rijos, irrequietos, estão em idade de aprender. E o que aprendem? Numa terra em que tudo ainda está por fazer, não pode haver desemprego. E está havendo. No entanto há trabalho de sobra para todos; basta que cada um saiba fazer alguma coisa. Os empregadores bradam em todos os tons, que precisam de gente que saiba traba

Quem é Ocílio Ferraz? por Regina Rousseau

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Quem é Ocílio Ferraz? Ocílio Ferraz é uma pessoa intensamente interessante, um viajante do tempo, sábio, mas sobretudo, simples. E o simples é o que o torna uma pessoa especial, pois ele traz dentro de si uma chama incandescente, a qual chamo de amor. Amor pelo belo, pelo justo, pelo simples. Cheguei em Silveiras, dia 22 de maio, pouco antes do almoço. Num sitio no meio da cidade, onde ele mantém pomares e hortas que abastecem as panelas, sempre cheirosas, em cima do fogão de lenha. Lá estava aquele homem fascinante, com seu amigo, José Ricardo e seus fiéis escudeiros e ajudantes: Maria e Eugenio. Era seu aniversário. Colhi uma florzinha de seu imenso quintal e ofereci a ele. Ele abraçou-me demoradamente, como se sempre me conhecesse. Àquele abraço selou nossa amizade. E neste cenário, olhando para as janelas que emolduram verdes, almoçamos, saboreando da sua comida caseira, eu, ele, uma amiga querida em comum, e meu ex-professor de faculdade, José Ricardo. Mais que títulos de sociólog

E O QUE É QUE EU VENHO FAZER? por Ruth Botelho

E O QUE É QUE EU VENHO FAZER? Ruth Guimarães Escrevo Estas palavras para aqueles que dizem que o mundo não endireita. Pois o povo está pedindo ensino. Como muitos milhões de pessoas estive assistindo pela TV a um milagre do padre Marcelo Rossi. Estou falando do milagre de pôr na rua, rezando, cantando e pulando, mais ou menos seiscentas mil pessoas, apenas para assistirem a um ritual cotidiano conhecido e repetido há mais de mil anos, sem novidade nenhuma, nem chamariz da propaganda: a missa de domingo, que não promete sorteio de um milhão, nem de carro zerinho como prêmio. Mas há um segundo milagre, o mais importante, a verdadeira lição a ser aprendida nessas missas de grande concorrência popular. Todos nós sabemos nas aglomerações o que acontece. Vejam o noticiário de jogos de futebol! Vão ali pertinho ver o jogo dos compadres! Há tanta violência e tanto mau humor e tanto transbordar de ressentimento e de malignidade, que quase toda gente que se preze deixou de ir a essas festas públ

Depois da festa por Ruth Guimarães Botelho

Depois da festa Ruth Guimarães O jornalista Henry Mc Lemore regressou de uma viagem ao Japão, com um processo extraordinário de cura de ressaca: “Quando lhe doer e latejar a cabeça, em conseqüência de bebida na noite anterior, dispa-se completamente, fique de pé, de pernas abertas sobre a terra nua, assuma uma posição bem ereta, os punhos às costas, presos pelos dedos, mano a mano, firmemente. Em seguida, mande uma pessoa despejar-lhe sobre a cabeça quatro ou cinco litros de água gelada. Isto completa o círculo celestial entre o céu e a terra, através do homem, expulsando-lhe do corpo o demônio da ressaca”. Suponhamos que alguém habite em um apartamento no Rio ou em São Paulo, e esteja curtindo uma dor de cabeça, pós-bebedeira, que o deixa louco e então resolve sair para testar o remédio heróico. Poderá escolher um canteiro florido num dos parques da cidade, único lugar onde ainda poderá pôr o pé em terra nua. O duro vai ser depois convencer o policial de serviço a respeito do círculo

Culinária de antanho por Ruth Botelho

Culinária de antanho Ruth Guimarães A vida da casa, a verdadeira, capaz que estivesse nas atividades escamoteadas. Atrás das portas, por assim dizer. Concentrada na cozinha, domínio das mulheres. Funcionando até para visitas informais. Diaristas, novidadeiras (ia passando por aqui) Indromistas (queria ver se a senhora já sabia) Lamurientas (tem boldo pra me arranjar umas folhinhas? Passei mal à noite...) O tipo bicão (vi uma goiaba madurinha, no pé. Se a senhora não se incomodar...) Chamavam no portão: - Entre! O cachorro não morde! Ah! É a Turíbia. Dê a volta! Entre pela porta da cozinha. Você é de casa! Café? - Brigada! Dê cá um golinho. As coisas principiavam, e às vezes terminavam, diante do fogão de lenha, ao alegre crepitar da madeira ressequida, à vermelha claridade do brasido. O patrão não tomava parte. Ou estava de serviço dormindo. Quando voltava do serviço, enfurnava-se no quarto. Se vinha acender o cigarro de palha na brasa, silêncio grande o acolhia. - Que há? Perderam a l

Roubos e arroubos por Ruth Botelho

Roubos e arroubos Ruth Guimarães Foi quase tão grande quanto o assalto ao trem pagador, perpetrado pelo carpinteiro Ronald Biggs e outros quinze comparsas britânicos, em 1963. Estou falando do que uma turma de brasileiros aprontou em Fortaleza, em agosto de 2005. Levaram tanto dinheiro que o peso chegava a três toneladas e meia! As notas desses R$ 164 milhões de reais, enfileiradas, formariam uma tripa de mais de 30 km de comprimento. Dinheiro que não acabava mais. Ah! Mas acaba, sim. Os R$ 220 milhões abiscoitados pela turma inglesa – 2.631.784 libras esterlinas, até hoje talvez o maior roubo de toda a história -, foram rateados entre os meliantes e cada um ficou com algo em torno de R$ 15 milhões. Para Biggs, preso menos de um mês depois, serviu para corromper funcionários do presídio inglês para que pudesse escapar. O que sobrou serviu também para que ele vivesse por três anos na Austrália, mais um ano no Panamá e, enfim, para chegar ao Rio de Janeiro, já de tanga, sem tostão. Volto

Januário por Ruth Botelho

Januário Ruth Guimarães Nestes umbrais do ano que começa, um romano pagão levaria oferenda a Janus, deus das portas e das entradas, a quem janeiro foi dedicado, e que tem duas faces, uma para o passado e outra para o futuro. Não teria complicações demasiadas: nem apartamentos minúsculos, nem orçamento apertado, nem rebates de consciência por ter filhos, ou por não os ter, não haveria cotações de euros e dólares, nas folhas diárias, e não teria subido o preço da gasolina. Talvez nem complexos nem recalques, e não o ameaçaria um segundo ataque de enfarte. Escolheria o anho mais gordo, a ovelha mais branca, para o sacrifício, o cacho de vidradas uvas, o veludoso pêssego. Se fosse um bárbaro cativo, de perdidas esperanças de voltar à pátria, e que já não se lembrasse dos deuses lares, mas tivesse no corpo, nos costumes, uns resquícios de cultura parcialmente esquecida, apresentaria ao deus dos começos um punhado de erva amarga, um punhal rutilante, uma tâmara muito doce. Pois que um ano se

Obesidade por Mariana Prado Barbosa Nutricionista

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Obesidade Mariana Prado Barbosa Nutricionista As tendências de transição nutricional ocorridas neste século direcionam para uma dieta mais ocidentalizada a qual, aliada a diminuição progressiva da atividade física, converge para o aumento do número de casos de obesidade para todo o mundo. Obesidade é uma doença que se caracteriza pelo acúmulo excessivo de gordura corporal, em extensão tal que acarreta prejuízos a saúde do indivíduo. A etiologia da obesidade é complexa e multi fatorial, resultando da interação ambiental, estilo de vida, fatores emocionais, e alterações da regulação entre a ingestão, gasto energético e estoque corporal. O número de casos da obesidade vem aumentando significativamente, sem diferenças raciais ou sociais. A obesidade é considerada uma epidemia mundial. A tendência no aumento da obesidade parece ocorrer paralelamente a redução da prática de atividade física, e consequentemente o aumento do sedentarismo. O hábito da prática de atividade física é influenciado

Gente que faz – Professor Carlão por Regina Rousseau

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Gente que faz – Professor Carlão Educar é tarefa para poucos. É uma eterna construção do conhecimento - para si e para os outros, na tarefa de transformarmos meninos e meninas em cidadãos e cidadãs. “Vamos nos fazendo aos poucos, na prática social de que tomamos parte”, como disse Paulo Freire. Dar aula é mais fácil. Educar requer mais carinho mais empenho,  mais dedicação à arte de escrever. Ao escrever este texto, confesso ainda emocionada como no dia da Homenagem ao Professor Carlão, realizada na USP pelos alunos, professores, funcionários, familiares e amigos, por ocasião da sua aposentadoria, onde ele foi docente da unidade, atuando por décadas. Durante a homenagem, várias pessoas se manifestaram. Todas destacaram as qualidades de Carlão como esposo, casado com Célia, há quase 48 anos, entre namoro e noivado, portanto, se conhecem há felizes 55 anos; pai, dois filhos, duas noras e oito netos, todos presentes, amigo, engenheiro e professor. Desde muito jovem, Carlão teve uma formaç

DEMOCRACIA por Ruth Botelho

DEMOCRACIA Ruth Guimarães Botelho Há uns tempos, noticiaram os jornais o advento de novas experiências para ludibriar a Morte, a Indesejada das Gentes. Trata-se do congelamento de doentes incuráveis. E eles terão a vida em suspenso por um longo período.Serão descongelados, quando a Ciência tiver conseguido a cura para os seus males. A Primeira Grande Guerra trouxe a descoberta das sulfonas e a cura de doenças não somente mortais, mas horripilantes, como a lepra. Com a Segunda Grande Guerra apareceu a penicilina. Dali para diante era para ninguém mais morrer de pneumonia e nem sofrer de moléstias infecto contagiantes, especialmente as venéreas. Com mais uma guerra mundial por aí é possível que consigam os cientistas a cura da Aids, quem sabe até da calvície e da erisipela. Por enquanto a única instituição verdadeiramente democrática que temos é a Morte. “A morte não escolhe” – dizia minha avó, sempre que o sino grande da matriz, blen-den-den, dão-dão-dão, bronzinava por algum ricaço da

DA SOLIDARIEDADE por Ruth Guimarães Botelho

  DA SOLIDARIEDADE Ruth Guimarães Malba Tahan, ou Sherazade nas Mil e Uma Noites, não sei bem quem, contou a história de um ganancioso mercador que cozinhava certa porção de carne, quando um mendigo faminto quis amaciar o pão velho do seu alforge, e torná-lo mais tragável, virando e revirando a côdea sobre a fumaça que se desprendia do caldeirão. O dono do cozido quis cobrar a fumaça, alegando que se o cozido era seu, a fumaça também era. Ninguém tinha o direito de se aproveitar dela sem pagar. Tanto discutiram que o caso foi levado ao grão-vizir. E foi então, o esclarecido primeiro ministro do sultão perguntou ao mendigo: -         Tem você algum dinheiro? -         Alguns níqueis que me deram, meu senhor. -         Passe-os para cá. Toda a gente pasmou, pensando que o vizir iria obrigar o pobre a pagar. -         Toma este dinheiro! – disse o vizir ao mercador.  Sacode-o bem.  Faz muito barulho com ele,  para verificar se é bom.  Estás ouvindo como tilinta melodiosamente? -         S

Da LITERATURA INFANTIL por Ruth Guimarães Botelho

Da LITERATURA INFANTIL Ruth Guimarães É do que eu estava falando: dessas histórias para crianças.   Elas teriam que ser principalmente misteriosas para irem fundo na gente, para que a compreendamos com a alma, aprendamos o que tiver de ser compreendido e aprendido, e para que não as esqueçamos jamais. As manifestações do povo, seguindo o caminho do folclore, seguem o caminho da eternidade.  Estamos falando especificamente de lendas e de fábulas, do reino das fadas, do tempo em que os animais falavam. É esse caminho do inconsciente que percorremos desde o berço, apesar das disposições governamentais, da arrogância das escolas, dos projetos, da moda, dos costumes, das imposições sociais. Fanny Abrimovitch nos alerta para a incrível e abominável coleção de mediocridades que servimos às nossas crianças hoje.  Damos-lhes alimento de adultos, literariamente falando, ineptamente facilitado por alguns escritores. Realmente, hoje, em que pesem os progressos da psicologia e da didática, o que te

Maconha e Humor por Paulo Moreira Miguel Psicólogo

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Maconha e Humor O efeito geral do uso de maconha (cannabis) sobre o humor e as relações específicas com o transtorno afetivos (transtorno bipolar e depressão). O efeito euforizante da maconha (cannabis) provavelmente é o fator mais importante relacionado com sua ampla difusão e uso, sendo que os usuários relatam frequentemente que essa sensação de euforia, relaxamento e despreocupação (“o barato”) é a razão do uso da substância. Pequenas doses usadas em grupo induzem a um comportamento loquaz, risonho e alegre, muito semelhante àquele observado quando o álcool é utilizado “socialmente”, mas com o uso continuado pode ocorrer tolerância a esse efeito, contribuindo para que alguns usuários passam a utilizar doses cada vez maiores com mais frequência, desenvolvendo quadros de abuso e dependência. Os usuários iniciantes relatam reações disfóricas (mal-estar) durante a intoxicação aguda, as quais podem incluir ansiedade importante (incluindo ataques de pânico), sensações corporais desagradáv

CLUBE DE POBRE por Ruth Guimarães Botelho

CLUBE DE POBRE Ruth Guimarães Clube de pobre é buteco.  Se quiserem fazer um recenseamento, verão que há mais botequins do que lojas e armazéns, mais do que igrejas, contando em global todas as religiões, mais do que farmácias, e com uma animada freqüência até que muito mais disputada pelas esposas esquecidas em casa, pelos padres e pastores. Bom mesmo é o buteco do João Quadra e bom para beber é o velho Morgado. Está aposentado por um ISS qualquer, mas não se dá com a moleza. Arrumou um caminhão, anda puxando a areia.Um pouco antes do almoço, passa no bar do João Quadra e dá uma bicada: um liso de um quinto de litro.  Não cospe, não joga pro santo, passa as costas do mãozão na boca, ele é um homenzarrão, e vai embora.  Dá mais umas voltas, de tarde manda outro liso.  Bêbado? Que esperança! Não falei que é grande? Tem capacidade. Mas eu vou contar.  Um dia destes, era um domingo, dia de bar estar assim de gente, entrou com o velho Morgado um homenzinho encolhido, moreno, meio a jeito d

A VOZ QUE CLAMA NO DESERTO por Ruth Guimarães Botelho

A VOZ QUE CLAMA NO DESERTO Ruth Guimarães Essas portarias, e ordens e decretos, tudo que proíbe, sempre fere de ricochete em alguma coisa que a gente ama. Andei sonhando com uma larga correnteza escura, de águas grossas, uns toques noturnos se esvaindo em tinta preta, e, por ali, no chão, encadernações a mão, letras douradas abertas com estiletes em lombadas antigas, brochuras de assuntos raros, ah! esses buquinistas às margens do Sena.  Ah! esse mundo visto, entrevisto, suspeitado, querido, desejado, perdido ou nunca encontrado.  E tudo isto me vêm à mente com a proibição de comerciar, espalhando mercadorias pelas ruas do centro velho da cidade.  A proibição está bem, a gritaria dos camelôs era mesmo indecente, as bugigangas no chão incomodavam o passo apressado e o senso estético. Mas havia uns livros velhos pelas calçadas, por aí, no caminho de quanto passo perdido, quando o sebo estava na rua.  E havia rumas de livros, de cambulhada, velhos, antigos, novos, bons e menos bons, livro

Cristo baiano por Ruth Guimarães Botelho

Cristo baiano Ruth Guimarães              Água de Meninos trazia a sua feição habitual, com tanta gente de cócoras, junto da pobre mercadoria: balaios contendo farinha ou camarão, caranguejos pretos de lama, montes de jiló e de quiabo.  Aqui, folhas de bananeira, forrando o chão, onde se amontoavam as mangabas, acolá coco, maracujá, goiaba, pimenta, bananas da terra muito compridas, douradas, parece que cheias de sol.  A água do mar se derramava em lilás, seda e pétala.  Sobre as ondas, docemente, se embalavam os saveiros.  A uma pergunta, se estará aqui outra vez amanhã, o homem que vende flocos de paina, talvez farinha, talvez retalhos da fugidia vaga, sob o nome de fruta-pão, responde descansadamente: “Querendo Deus...” Essa resposta me faz lembrar de Monsenhor Neves, que me deu uma estranha resposta certo dia.  Éramos colegas de magistério, numa escola de cidade do interior.  Conversávamos freqüentemente.  Os assuntos eram os costumes, a literatura, a educação, os valores morais. 

Conversinha sobre arte por Ruth Guimarães Botelho

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Conversinha sobre arte Ruth Guimarães Decididamente, a minha cidade não é terra de músicos. Minto. Não é terra de conjuntos, de orquestras, de profissionais organizados, que músicos há muitos por aí, nos butecos, em noites de sexta. Relacionados, conhecidos, tirando os que arranham, há uns duzentos e tantos violinistas. Jamais alguém conseguiu juntar pelo menos dois deles, para uma seresta. A Secretaria da Cultura da cidade se impôs, neste momento, a obrigação de criar uma Banda Municipal. Instrumentos são muitos, novos, atraentes, pisto, flauta-doce, sax-tenor, prato, e outros e outros. Abriram espaço para ensaio, contrataram um vero professor, talentoso. Conta Osório César que, havendo no Hospital do Juqueri, em Franco da Rocha, vários doentes que conheciam música e tocavam instrumentos, certa vez lembrou o Dr. Leopoldino Passos de encarregar um antigo esquizofrênico paranóide de organizar uma banda. Fez-se uma coleta entre os médicos e empregados, e comprou-se o instrumental para um

Colar de Pérolas por Ruth Guimarães Botelho

“Colar de Pérolas”  Ruth Guimarães Raquel de Queiroz, a Divina, esteve sempre preocupada com a metonímia. Alguns artigos seus trazem inúmeras modalidades novas e engraçadas de metonímia. Quanto a mim, menos clássica, com referência a bizantinices de estilos, prefiro a metalinguagem. Tanto a erudita, profunda de uma Lispector, satírica de José Cândido de Carvalho, - como, e ainda mais, a metalinguagem inconsciente das crianças e de outros ignaros. Ah! Ignaros! Grande colheita se faz nos meios escolares, pois, quanto mais, digamos perfeitos, os meios de comunicação, mais depressa comunicam os erros. O que é privilegio da nação brasileira. A coisa anda assim no vai da valsa, pelo mundo todo. A França que está muitos furos adiante de nós, teve como best-seller, nos últimos anos, um livro em que se colecionavam os empregos raros e imprevistos de algumas palavras, ou a invenção de outras, por meio de processos imediatos, inconscientes. As pérolas: O rapazinho parou diante do aviso de matrícu

Rádio FYTY

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Rádio FYTY Conheça a rádio Fyty de Cachoeira Paulista para o Mundo, com muita música e bom gosto. Aproveite deixe seu recadinho e pedido de musica! acesse:  http://radiofyty.com/ venha curtir o melhor da musica nacional e internacional com Valdir (dj fyty) Contatos pelo tel: (12)97167489 ou  91727078   

CHORO EU... CHORA VOCÊ... por Ruth Guiramães Botelho

CHORO EU... CHORA VOCÊ...  Ruth Guimarães Seu Vicente Alfaiate sentado à velha máquina Singer, não estava muito animado. Conversador ele não era, mas não perdia a oportunidade de fazer suas implicâncias e resmungar contra a vida. Pois estava quieto, Sá Marica passou pra lá, Seu Vicente estava parado.  Passou pra cá. Seu Vicente estava parado, mas um tantinho caído do lado. Pôs-lhe a mão no ombro e ele caiu de uma vez, num desamparado. Aí a casa virou um turbilhão, sá Marica no meio. Foi ela quem providenciou tudo. Chamou o compadre para ajudar a levantar seu Vicente, acendeu a vela para colocar na não dele. Não vá morrer sem luz, e não achar o caminho do céu.  Mandou chamar cada filho e, quando o marido morreu, lidou com ele sozinha, de olhos enxutos.  Não derramou nem uma lágrima. Quando o enterro saiu, ficou na sala de jantar, pensamenteando só ela sabia o quê. E ali ficou sem uma palavra, enquanto todos se despediam, constrangidos, bom homem seu Vicente. A gente sente como se fosse

Carta a Ivan Marinho, Caçador de Gente por Ruth Guimarães Botelho

Carta a Ivan Marinho, Caçador de Gente Ruth Guimarães Meus leitores habituais devem ter lido esta carta. Ou um pedaço dela.  Meus filhos riem de mim porque conto as mesmas coisas muitas vezes, mas às vezes precisamos falar muitas vezes das mesmas coisas, para que alguém nos ouça.  Nossos dias me fazem pensar no Ivan, então estou contando de novo, de outro jeito, a mesma coisa. Você sabe que chegamos à noite, a Salvador. E o impacto da doce terra estranha que sobre nós agiu, deve ter atuado sobre você, quando para ali veio de Alagoas.  A primeira manhã que passamos na Escola de Polícia, e que era também o seu (direi) refúgio? teve qualquer coisa de miraculoso.  Como se tivéssemos entrado em um país de sonho.  Era assim como um regresso ao Éden, com muito Adão incongruente de coturnos e roupa cáqui.  Fontes não havia.  E seria positivamente escandaloso chamar de maná a bóia do rancho dos oficiais.  Como  você sabe. Mas havia coqueiros, quantos! como dançarinos que dançavam ao toque muito

Carta a Ivã Marinho, caçador de gente por Ruth Guimarães Botelho

Carta a Ivã Marinho, caçador de gente Ruth Guimarães Ivã: você sabe que chegamos à noite a Salvador e o impacto da doce terra estranha que sobre nós agiu deve ter agido sobre você também, quando foi para ali, visado de Alagoas. A primeira manhã no refúgio da Escola de Polícia, que era o seu, teve qualquer coisa de miraculoso. Como se tivéssemos entrado num país de maravilhas, assim como um regresso ao Éden, com muitos Adões, incongruentes, de coturno e roupa caqui. Fontes não havia. E seria positivamente escandaloso chamar de maná a bóia do rancho dos oficiais. Como você bem sabe. Mas havia coqueiros, quantos! palmas dançarinas ao toque muito leve que vinha do mar ali perto. A areia no chão, de um cinza azulado, rechinava sob o passo. Havia arapongas nas forquilhas, tinindo, zinido de cigarras e zoeira de insetos. Camaleões com rajas imitando folhas secas, olho de berilo chispando em torno da risca preta da pupila, azougue vivo, disparavam pelo meio do capim. E aí vimos as emas, Ivã Ma

CAMPO DE FLORES por Ruth Guimarães

CAMPO DE FLORES Ruth Guimarães Pois eu disse que nunca vi campo de flores nesta terra.  Que não só não vi, mas que não os há.  Não aludia a jardins, nem a hortos, nada de cultivado, mas à rústica vegetação silvestre, ao bom produto natural, à florzinha que não tem nome nem história, não enfeita a vida, nem disfarça a morte, nasce à toa e morre pisada de bichinho de mato, nunca viu vaso nem baile, nem colo de moça bonita, nem botoeira de esmoque. Flor tão somente.  Não dou notícia de campo florido, embora mar de seda roxa se me afigure em agosto o capim alto desabrochado, bem efêmero.  E não só que eu não conheça, escritor nenhum viu isso, a não ser Euclides da Cunha, que, falando a Coelho Neto dos mistérios da Amazônia, alude a certo lago coberto de açucenas, escondendo traições.  Tinha perfume tão intenso, que atraía de muito longe gente e animais.  Esses romeiros do aroma não dormiam mais que uma noite, ou antes, dormiam para sempre.  O meu doce Vale não tem nada tão perigoso assim. 

BEAU GESTE por Ruth Guimarães Botelho

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BEAU GESTE Ruth Guimarães Quando eu era muito pequena tinha duas idiossincrasias.  Não gostava de gente que não apreciava sorvete e acendiam-se-me todos os altos fogos da ira contra aquele que não ficava boquiaberto com o mundo do circo. Como se vê, tinha grande vontade de viver, sabia o que queria e aplicava o aforismo do filósofo que nos garantiu que o homem é a medida do homem.  Somente que se me pedissem para explicar o porquê de atitude tão radical, eu não saberia. De lá pra cá, o mundo mudou muito, principalmente em velocidade.  Inesperadamente estamos correndo, voando, uns e outros nos atropelando, é preciso correr, passar na frente, ultrapassar.  Que se passa? Que buscamos, afinal? Quem sabe ficou lá atrás, perdido, jogado, esquecido? Mas ninguém pára, ninguém retrocede; é tudo de roldão, como as catadupas, a ventania, a febre, a inconstância. Contou-me Peregrino Jr. certa vez que foi do Rio de Janeiro ao Ceará, onde iria ser padrinho de casamento, e teve que fazê-lo em um dia,

AS QUATRO FORÇAS DA ALMA por Ruth Guimarães Botelho

AS QUATRO FORÇAS DA ALMA Ruth Guimarães  A primeira lei do universo é que, se o homem quer se sentir feliz, realizado (e essa busca é primordial da espécie humana) o imperativo categórico é o crescimento interior.  A criatura terá que procurar, e encontrar, a sua plenitude.  Quatro forças o impulsionam nessa procura que é de toda uma vida.  Amor, ódio, um construtivo, e outro destrutivo, a consciência, a necessidade de dominar.  Esta última força é a mais difícil, pois está na base de toda a estrutura, e tem que começar cada um por  dominar a si mesmo. O sentimento do Amor é belo e é a mais alta das formas de conhecimento.  Tem algo de divinatório.  Observe-se como as mães procedem, como conhecem os filhos, como adivinham. Entretanto o próprio amor pode ser desvirtuado.  Há pessoas, por exemplo, que somente podem amar a si mesmas.  Chegam a amar a si próprias amando a outrem, como é o caso dos ciumentos.  E há aqueles que somente a si se vêem, como acontece com os narcisistas, apaixona

As Pedras e os meses por Ruth Guimarães Botelho

As Pedras e os meses Ruth Guimarães  O DIAMANTE É A PEDRA DOS NASCIDOS EM ABRIL - O diamante bruto extraído das minas é pedra preciosa composta de um só elemento, o carbono, o mesmo que entra na composição da hulha e da grafita, cristalizado porém de maneira diferente. Em sânscrito, seu nome significa raio, fogo e sol. Em grego, adamas, é invencível. É a substância mais dura que se conhece, chegando a cortar o vidro e o aço. Risca todos os corpos e não é riscado por nenhum. Por sua dureza é utilizado na indústria. Serve para cortar vidros, para perfurar as rochas mais sólidas e na fabricação de fios cinco vezes mais finos que um fio de cabelo. Os diamantes se encontram na ganga de uma rocha mole de cor azulada, conhecida como terra azul. A terra é reduzida a pó, o barro residual que fica depois da terra lavada contém os diamantes. As pedras brutas são submetidas a corte e polimento, vendidas a lapidários e joalheiros. Os diamantes podem ser azuis, verdes, rosados, amarelos e negros. Em