Em tempos de paz? por Ruth Botelho

Em tempos de paz?


Ruth Guimarães

 Foi uma bela idéia que me veio, embora o cronista, a bem do seu sossego, não deva ter idéias. Bastam-lhe as belas palavras. É a época da volta para a escola e a época da chamada para o alistamento militar. Moços de dezoito anos estão se ocupando com assuntos mais sérios que a namoradinha de um amigo meu. Uns têm alguma vivência, os operários afeitos à labuta cotidiana, os que vêm da roça familiarizados com o manejo do guatambu, os que trazem da rua tristíssimos hábitos. Mas, vede-os! são os que tem mais saúde, dentes mais bonitos, mais altura, mais desempeno, os de sentidos perfeitos, em suma, o que de melhor se consegue nesta terra. Vêm rijos, irrequietos, estão em idade de aprender. E o que aprendem?


Numa terra em que tudo ainda está por fazer, não pode haver desemprego. E está havendo. No entanto há trabalho de sobra para todos; basta que cada um saiba fazer alguma coisa. Os empregadores bradam em todos os tons, que precisam de gente que saiba trabalhar. O desemprego é da mão-de-obra não especializada. É o rebanho que bate arrebites, ou carrega tijolos, ou varre os pátios, é essa pobre gente que está desempregada, dizem as estatísticas. Para atenuar esse estado de ignorância, alguma coisa foi feita com as escolas industriais, Senai, fundações, mas que gota d’água no Saara da besteira nacional! Muitos, muitíssimos, quase todos, não podem preparar-se porque têm que trabalhar para comer.

As Forças Armadas arrebanham esses moços, em estado de crescimento ainda, reclamando ensino, flor e promessa do Brasil de amanhã, vestem-nos, calçam-nos, alimentam-nos como alguns deles jamais o foram antes, disciplinando-os, e governando-os, conservando-os na caserna por um ano.

Para quê?

Aprenderão o manejo de armas, e que o seu dever cívico é defender o Brasil. Saberão como fazê-lo numa guerra. E na paz? E quando saírem do quartel depois de um ano? Os que vieram da roça para lá não voltarão, desacostumados das lides da lavoura, o que constitui grave problema.

Por que não aproveitar esse ano, esse tempo que sobra, essa disciplina, essa comida, essa roupa, e essa oportunidade, para torná-los cidadãos eficientes dos exércitos da paz e do trabalho? Por que não lhes ensinar marcenaria, tipografia, mecânica, ofício de barbeiro e de sapateiro, de pintor, de encanador, de cavalariço? Por que não os ensinar a assentar tijolos e a desenhar, a cultivar a terra, a misturar adubos, a jardinar, seja lá o que for?

“Aqui se aprende a amar e defender o Brasil”. Está escrito na fachada de um quartel da capital, e isso evidentemente é verdade, mas não toda a verdade, pelo menos não tanto quanto poderia ser.
Colaboração Olavo Botelho

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