ANDORINHAS CHINESAS por Ruth Guimarães Botelho

ANDORINHAS CHINESAS

Ruth Guimarães

Ele chegou com aquela maneira a um tempo lenta e contida, própria dos seres de velhas raças.  Os cabelos formam um rodamoinho preto, no alto da cabecinha.  Configurando desenhos em meia hipérbole, um pouco acima no rosto, olhos e sombrancelhas são apenas finas riscas de carvão.  O sorriso também é lento e sábio.  A fala mansa, velada e sussurrante, um pouco rouca.


Com uma delicadeza esquisita e fina, dá à postura um jeito de reverência.  Como são expressivas as mãos amarelas, os medidos gestos.  Jamais imóveis. Mas jamais frenéticas.

- Sinhola gostal andolinha, mim falal andolinhas.

- Pois não, Wen Tsang Chiang, digo, tentando me pôr à altura dessa inimitável cortesia e gentileza.

O sangue latino e africano, efervescente mistura, e o cacoete dos muitos anos de ensino me condicionam e, sem querer, corrijo: andorinha.  Andorinha, repete Chiang, docilmente.

- Em Formosa já vi andorinhas que fazendo ninho dentro de casa.  Dizem que as andorinhas vivem no dentro de casa que dá sorte, torna-se rico.

Sorrio, abano a cabeça e ele repete o sorriso e o gesto.  Está aprendendo o as ademanes ocidentais.

No Brasil, já vi uma vez andorinha saiu do buraco do barranco, quando passei perto por ali.

Chiang dirige um olhar longo para o retângulo da janela e não sei o que vê.  Por mim, distingo o morro vestido de vegetação ressequida, muito feio.

- As andorinhas andam em bando. – continua ele aplicadamente.

Espreita meu rosto para ver se estou satisfeita.  Parece tomar a tarefa no sentido de me causar alguma satisfação, maneira completamente inesperada de encarar a coisa.

- Eles saem quando o tempo cheio de nuvens, de tarde, eles...

- Elas... – corrijo automaticamente e ele, Chiang, recomeça com toda a paciência:

- Elas comem mosquito...

E como eu erguesse uma sombrancelha, ele se apressou a completar:

- Os andolinhas... As andorinhas são pássaros bonitos, úteis.

De repente sorriu não sei para que lembrança e agitou uma das mãos.

- As caudas são parecidas de tisolas...

- Parecidas com tesouras...

- Parecidas com tesouras.  Elas voam rápidas como avião.  Existem muito tipos de andorinhas do Brasil já dois tipos.  Uns são pequenos, outros pouco maiores.  Da Formosa são do mesmo tamanho.  Mas é maior do que eu vi no Brasil.  Ouvi de meus pais que andorinhas, quando chega o inverno elas vão para outro país, em meio caminho, cansadas e quando viram um monte ou morro de pedras...

Percebo que está cansado de conformar o pensamento às tortuosidades da língua estranha e que começa a se perder.

- É suficiente – digo eu – falou muito bem, pode sentar-se.

Mas o chinesinho é intrépido.

- Elas descansam quando elas pousa.  Quando eu acaba eu descansa.  Os andorinhas mais fracas se guspem uma coisa que as pessoas tiram para fazer remédios.  Alguns alcançam outro lado, não alcançarem eles morrem por fome e cansaço.

Tornou a sorrir diretamente para mim, desta vez triunfalmente.

- Alguns ficam porque elas são novos.

Atira a frase final e senta-se.

- Viu? – perguntou da maneira mais infantil.

E eu me recosto, tranqüilizada, pois se ele tem cinco mil anos como raça, contra o meio milênio do jovem Brasil, como pessoinha tem apenas doze anos.
colaboração Olavo Botelho

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