Da LITERATURA INFANTIL por Ruth Guimarães Botelho

Da LITERATURA INFANTIL


Ruth Guimarães

É do que eu estava falando: dessas histórias para crianças.   Elas teriam que ser principalmente misteriosas para irem fundo na gente, para que a compreendamos com a alma, aprendamos o que tiver de ser compreendido e aprendido, e para que não as esqueçamos jamais.


As manifestações do povo, seguindo o caminho do folclore, seguem o caminho da eternidade.  Estamos falando especificamente de lendas e de fábulas, do reino das fadas, do tempo em que os animais falavam.

É esse caminho do inconsciente que percorremos desde o berço, apesar das disposições governamentais, da arrogância das escolas, dos projetos, da moda, dos costumes, das imposições sociais.

Fanny Abrimovitch nos alerta para a incrível e abominável coleção de mediocridades que servimos às nossas crianças hoje.  Damos-lhes alimento de adultos, literariamente falando, ineptamente facilitado por alguns escritores.

Realmente, hoje, em que pesem os progressos da psicologia e da didática, o que temos no campo da literatura infantil, o que temos ainda nos campos da literatura da infância é um pouco de Monteiro Lobato, que iniciou um movimento pelo que é nosso (falo da infância).  Ainda temos muito de Walt Disney, antes, durante e depois.  E alguns outros raros, bissextos, como Malba Tahan, o eloqüente, por exemplo.  Dos contos, mesmo em publicações muito bonitas, de boa fatura, continuamos com Branca de Neve e os Sete Anões e o indefectível raconto do Chapeuzinho Vermelho com o Lobo Mau, que nenhum de nós conhece (Lobo? que bicho é esse?).

Onde iremos buscar os elementos necessários para o enriquecimento da nossa literatura dita infantil? Esses que nos vêm das nossas realidades mais profundas da alma que Deus nos deu e da terra que Deus nos deu.  Digamos que acontecem e vêm para nós, por via folclórica.

Em suma, temos um rico acervo de racontos. Nos quais, a par do enredo, do comportamento dos personagens, bichos ou gente, reponta o conhecimento profundo de nós mesmos; conhecimento este fixado sem dor, sem castigo, sem palmatórias, ou ensinado na base da receita, do conselho, do decoreba, que jamais convencem e que resultam em nada.

Muito bom que nossas crianças leiam parábolas: todas as mensagens bíblicas, as mil e uma noites, as mitologias.  Mas que leiam também, quem sabe primeiramente, nossos contos vindos da Europa e readaptados, e aqueles que vieram da senzala e das tribos.  Conhecerão elas os contos em que entre o Quibungo, conto que as ensina a serem cautelosas?  Conhecerão, foram-lhes apresentados os relatos da tribo, a sua teogonia, tão bela e tão confortadora?

Temos exemplos universais, muito eloqüentes, do bom aproveitamento que está na memória do povo.  Pesquisadores enriqueceram nossa visão de mundo e nos trouxeram pérolas de suas andanças pelo subconsciente brasileiro.  Mas esses não são artistas, o seu campo é outro.  Os “pesquisadores-artistas” foram, na música, um Bethoven com seus lieds, e os Beatles trabalhando as lindíssimas canções escocesas.  Aqui entre nós, Chico Buarque reescrevendo Teresinha de Jesus.  No terreno escorregadio da arte da palavra, Selma Langerloff e suas tão singelas e tão formosas histórias, por via das quais ela foi até o Nobel.  Não somente por via das narrativas, mas da arte de contá-las.

De narrativas, temos de tudo isto no Brasil, pois não.  Com a mesma singeleza e simplicidade e a mesma beleza.

Contam-nos, por exemplo, que a noite estava escondida no fundo das águas, porque de primeiro noite não havia.  Era só dia.  Foi quando a filha da rainha Luzia quis se casar.  Dois índios de peito largo foram buscar a noite, porque não teria graça um casamento em plena glória do sol.  Depois de muitas peripécias, os índios soltaram a noite da sua prisão no toco de tucuman.  Veio a escuridão e todas as coisas se perderam.  Quando a filha da rainha Luzia (em algumas variantes da Cobra Grande) viu a noite - e chegou logo depois a madrugada, precedida pela Estrela d’Alva - , separou o dia da noite, pintou de branco o cajubim e ordenou-lhe que cantasse.  Enrolou um pedaço de fio, sacudiu cinza em riba dele e comandou: Você será o inhambu, para contar os tempos da noite e da alvorada.

E daí por diante a filha da Cobra Grande fez dormindinho no escuro com seu amor.
 colaboração Olavo Botelho

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