Por falar em Campeonato

Por falar em Campeonato



Ruth Guimarães

(Dois dedos de prosa, 26jun1999)

 No tempo em que Cachoeira F.C. era o bambam do Vale e dava de lavada em todos os times (começando em Queluz e indo parar em Mogi das Cruzes), havia um time, cujo nome não é lembrado, e que era chamado afetuosamente de time dos Compadres.

O tal time assistia ali na Vila Carmem, no varjão que por um lado limita com o Paraíba, e por outro lado com a fazendo hoje do Mineiro. Seus craques tinham quarenta e poucos anos. Eram trabalhadores, pais de família, ferroviários, alguns sempre em atividade na várzea, e alguns que tinham sido do glorioso, mas o fôlego já não dava para muitas cavalarias. A assistência e a torcida, formadas de um povinho endiabrado, dali mesmo das cercanias, delirava com a atuação dos craques.

Se a animação, o entusiasmo em futebol é bola na rede, esse time era o máximo. Escore com os compadres era na manteiga: 8x2, 6x1, 10x3 (festa no campinho!), 15x5. O placar podia estar expresso de qualquer maneira. Ninguém ligava para placar. Ganhar, ganha-se de muito jeito: na desistência do adversário, que corre de medo, no apito, no braço. Tudo é lucro.


Mas briga não havia. Só muito falatório. Só muito vivório, muita satisfação e muita cerveja.

Telo dos Santos estava lá, jogando, antes do infeliz acidente que o deixou arrastando uma perna durante anos.

A maioria dos jogadores era constituída de empregados da Olaria do Jazão, na Vila Carmem. Ninguém gramou o estádio dos compadres. Mato ali era de arranha-gato. Falar em bola na rede era redundância, pois rede não havia. Em compensação, alegria não faltava. Suas cores eram as mais vivas e claras. Verde e vermelho, como a Briosa de Santos.

O critério para pertencer ao time era comprar as camisas. Mesmo não jogando nem pedrinha nágua.

Por exemplo, o compadre Tibério, fortinho e novo, não entendia nada de bola, e só chutava de bicuda. Quando quiseram que ele ficasse de fora, no banco de reservas (mas banco também não havia), ele se defendeu alto e bom som:

- O direito é meu de jogar. Eu comprei a camisa.

Eles não jogavam entre si, não. O time era de prestígio. Seus adversários habituais eram: Canas, Silveiras, Embauzinho, São Miguel, Vargem Alegre, e muitos outros.

Gente da pesada, esses compadres: Borá, seo Raimundo, seo Fonseca, seo Telo, Didi do Delfino Gonçalves, Compadre Luizão, Tiãozinho Goleiro, Dito Quirino, Paulo Mendes que doou um jogo inteiro, completo de camisas, Zé Pedro, que jogava também no time do DNER. Esse era muito parecido com o grande Otelo. Sábado, depois do jogo, vestia terno branco e ficava todo entusiasmado.

Telo do Santos avaliou assim o glorioso time dos Compadres:

- Jogava-se na base do aglomerado e da precariedade. Agitação muita, e nenhuma potência.

Alguns desses jogadores ainda estão vivos, não disputando com a bola, mas com a vida. Mas outros, os mais apressados, foram lá para cima, jogar bola no campo do céu, com a lua cheia.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Igreja Bom Jesus da Cana Verde - Cachoeira Paulista

Pontilhão da Antiga estrada de Ferro, em Cachoeira Paulista