Juventude

Juventude


Ruth Guimarães

Quando os moços deixam o cabelo crescer e o fazem cruzar bem bonitinho atrás, ou ajeitam as ondas com as costas do pente pensando que não percebemos o arranjo artificial, ou quando usam calças agarradas de veludo e botinhas, e camisas de xadrez, nada disto me inquieta. Não vejo em que isto é diferente das calças boca-de-sino, do paletó curtinho cinturado, dos sapatos de verniz de bico fino, do cabelo repartido ao meio e empomadado, da palheta e da bengala, de há trinta anos.
O rock e o (Hully gully funk) até que não exigem tanto quanto a conga e o shimmy, e nossas mães já tinham o charleston e aquela dança inominável, que escandalizou Paris e se chamou maxixe. A lei é que os moços se empavonem com as moças, que dancem, que inventem passos e vivam a sua vida, e que se tornem independentes das carrancas dos pais. Não vejo nada demais nisso. Mas o que me inquieta é que a juventude não se entusiasma. Acabou-se o quente idealismo que víamos nos moços, os seus olhos brilhantes, a temeridade, o espírito de aventura. E tanto não sente emoção alguma que a anda procurando onde evidentemente não está. Não vejo moços lendo livros de aventuras, nem amando os poetas, nem admirando as mulheres, nem nas galerias de pintura, nem nos jardins, nem nos parques, nem na Bienal. Homem! Nem nos campos de esporte, onde a maioria é de quarentões. Então onde estão os moços? Nos programas de auditório, ali estão, no cinema, nos MATINÊS DANÇANTES shoppings em matinês informais. Sempre em atitude negligente, sem interesse, de olhos lânguidos, e gestos cansados, nem um lampejo de alegria, nenhum belo riso, nenhum impulso, fazendo tudo fatigadamente como os velhos. Alguns arrastam os pés. Não os vejo mais nos teatros nem nos concertos. E isto me inquieta. Como também me inquietam as suas preferências musicais. Ultimamente me pareceu sentir um certo calor na voz dos moços que trauteam melodias em voga. Prestei atenção. Era a música de Roberto Carlos e Erasmo Carlos, não sei se trata de compositores moços, acho que sim, e nisto não vai dar a menor crítica ao seu merecimento. Quero dizer, não conhecê-los não implica hostilidade nem desdém, é que sou incuravelmente caipira e não gosto de televisão. São eles os porta-vozes da juventude e cantam coisas que lhes agradam.
“De que vale o céu azul e o sol sempre a brilhar, se você não vem e eu estou a lhe esperar. Só tenho você no meu pensamento, e a sua ausência é todo o meu tormento. Quero que você me aqueça neste inverno, e que tudo o mais vá pro inferno.
De que vale a minha boa vida de playboy, se entro no meu carro e a solidão me dói. Onde quer que eu ande, tudo é tão triste; não me interessa o que de mais existe. Quero que você me aqueça neste inverno, e que tudo o mais vá pro inferno”.
Isto aí pretenderá ser uma canção de amor? Acho que sim. Mas é a filosofia da juventude.
Poderão dizer por que agrada? Ora, é só reparar no indisfarçável triunfo com que ressoa o malcriado estribilho. “E que tudo o mais vá pro inferno”. Isto me inquieta. E muito mais, muito mesmo porque não temos modelo para pôr diante desses moços, e isso que temos, todas essas coisas que temos e fazemos e que apresentamos, a vida, esta vida, mesquinha e sem ideais, bem merece a muito cantada imprecação dos Carlos.
 Colaboração Olavo Botelho

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