CAMPO DE FLORES
CAMPO DE FLORES POR
Ruth Guimarães

Flor tão somente. Não dou notícia de campo florido, embora mar de seda roxa se me afigure em agosto o capim alto desabrochado, bem efêmero. E não só que eu não conheça, escritor nenhum viu isso, a não ser Euclides da Cunha, que, falando a Coelho Neto dos mistérios da Amazônia, alude a certo lago coberto de açucenas, escondendo traições. Tinha perfume tão intenso, que atraía de muito longe gente e animais. Esses romeiros do aroma não dormiam mais que uma noite, ou antes, dormiam para sempre. O meu doce Vale não tem nada tão perigoso assim. Aguapés se estendem até longe, camuflando as lagoas cheias de miasmas, remanescentes da enxurrada. Assim de inseto; nenhum morre. Aguapé deve ser fortificante de pernilongo. Mas tão lindo!.. água e flor, água e flor...água e flor...Quem disse que nunca viu campo de flores?
Mal começa julho, o vale vizinho, ali mesmo, que morre em alfombra verde, beijando a água grossa do Paraíba, pega a se colorir. São as primeiras campânulas, as de botão de ouro, miúdas, não tardam a desabrochar, e tão inumeráveis são que semelham céu muito estrelado. A haste trepadeira envereda pelas moitas, sobe pelas guanximas, mistura-se ao melãozinho-são-caetano, dá voltas e mais voltas, está em cima e embaixo de todas as plantas, enrosca-se nos mamoneiros, não há o que os vença e não enfeite a florzinha inumerável. Assim que se oferece ao beijo do sol o sinozinho-saimão de seis pétalas de veludo e ouro, o zumbidor povinho das abelhas principia de doidejar. Daí vai resultar mel de florada, e coisa mais fina, mais doce e mais cheirosa de certo não há. Depois da campânula sininho-de-ouro, vamos chamá-la assim, que nome ela não tem nenhum, pagãzinha, desprezada, tão linda e amorável, a maria-ninguém das flores, na sua simpleza, depois dela surge a lilás, grandona, macia, dentro da qual zumbe a arapuã negrinha, cabeça-de-joão. E depois vêm as viçosas, roxo-carregado, com manchas enormes no centro; e as vermelhas, cor de sangue pisado; e as azuis, céu de verão; e as de tom roxo misturado a vermelhos e azuis, bárbaras, agressivas, as cor-de-rosa, desse rosa deliqüescente de dia que amanhece; e as amarelinhas, muitas, muitas outras, milhares, miríades, legião, campainhas valparaibanas que soam e zumbem e recendem de julho a dezembro. Alguém falou em campos de flores?
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